Vou arriscar e dizer todos nós, em algum momento, tivemos, temos ou vamos ter um crédito para comprar alguma coisa. Todos nós vamos querer alguma coisa para a qual não temos dinheiro na altura. Hoje em dia, com alguns cliques, telefonemas, e-mails e meia dúzia de documentação conseguimos, em princípio, crédito facilmente para qualquer coisa que queiramos.
O acesso fácil e rápido a crédito é uma coisa má?
O objetivo deste artigo é explicar que o crédito é um instrumento financeiro como qualquer outro e que pode ser bom se for usado corretamente, eliminado assim a ideia de que todo o crédito é mau.
Vamos começar por eliminar da conversa todos os créditos feitos por extrema necessidade como, por exemplo, para pagamento de despesas de saúde. Ninguém está livre de num qualquer momento ser confrontado com uma despesa inesperada e a única forma de a pagar ser recorrer a crédito. Podemos argumentar que essa mesma pessoa poderia ter as suas contas em dia para que tivesse algum dinheiro guardado e não tivesse que recorrer ao crédito. No entanto, temos de dizer as coisas como são e há pessoas, ou situações, em que é completamente impossível estar prevenido e temos de assumir que assim é.
Antes de mais é importante percebermos o que significam os principais termos num crédito para que consigamos perceber na totalidade o que estamos a assinar.
TAN (Taxa Anual Nominal): esta é a taxa que representa apenas e só o juro que iremos pagar no nosso crédito. É importante mas não tanto como o que vem a seguir
TAEG (Taxa Anual Efetiva Global): esta é taxa que mostra efetivamente quanto nos vai custar o crédito. Inclui os juros da TAN mas também todas as comissões e custos cobrados pelo banco ou financeira.
Comissão de antecipação: esta é a taxa que o banco ou financeira vos cobra se quiserem fazer uma amortização adicional no vosso crédito. Se achavam que podiam amortizar 500 € e que era apenas isso que pagavam, desenganem-se porque o banco cobra por isso
MTIC (Montante Total Imputado ao Consumidor): este valor mostra o real preço que vão pagar pelo vosso crédito. Este é o valor final que pagam se o crédito correr no tempo e taxas contratadas.
Ultrapassada esta parte mais técnica e chata, vamos à parte mais divertida: contas!
Imagina que queres comprar um carro que custa 20.000€. Vais ao Google e com uma rápida pesquisa encontras uma simpática prestação de 240€ por mês, durante 10 anos. Como nessa altura não tens 20.000 € mas tens 240 € todos os meses achas que é um bom negócio e assina os papéis.
Ao fim dos 10 anos o que aconteceu?
No final do crédito pagaste quase 30.000 €, o tal montante total imputado ao consumidor. Além disso o carro vale agora, talvez, 5.000 € (a taxa de desvalorização varia bastante de carro para carro). Então perdeste 10.000 € em juros e 15.000 € na desvalorização do carro. É uma perda total de 25.000 € durante esses 10 anos, por isso concordarás comigo que é um terrível investimento.
Se agora estás a pensar "ah mas já o meu pai diz que um carro é sempre um mau investimento", deixa-me já contrariar isso com outro exemplo:
Compras o mesmo carro de 20.000 € com a mesma prestação de 240 € mas utilizas esse carro para conduzir na Uber nas horas vagas. Fazendo as contas, percebes que tens de ganhar cerca de 210 € em média por mês para que no final dos 10 anos a Uber que tenha rendido os 25.000 € que perdeste no cenário anterior. Ou seja, durante esses 10 anos foram outros, neste caso, os passageiros que te pagaram o crédito e a desvalorização e no final ficas tu, e não eles, com ativo que ainda vale 5.000 €. Resultado do investimento: 5.000€ positivos comparados com 25.000€ negativos do cenário anterior.
Se me perguntarem se o crédito é uma coisa má a minha resposta é fácil: Não! Para quem já leu o "Pai Rico Pai Pobre" sabe que existe "boa dívida" e "má dívida" ou, em inglês, "good debt" e "bad debt".
Seguramente já ouviste a expressão "não é quanto ganhas, mas sim o que fazes com ele". Aqui é exatamente igual "não é quanto deves, mas sim o que fazes com a dívida".
O problema não está no crédito nem no que queremos comprar mas sim no uso que damos a essa mesma "coisa". Como viste, o mesmo carro, nas mesmas condições faz perder dinheiro num caso e ganhar no outro.
Utilizei o exemplo do carro mas a lógica é a mesma para qualquer tipo de investimento e é isso que te desafio a pensar.
Se começares a entrar mais neste mundo das finanças pessoais vais encontrar o termo "alavancar", e isto não é mais do que exatamente o que expliquei, ou seja, fazer um crédito para que possas investir num qualquer projeto que te traga mais rendimento do que te vai custar o crédito.
Há uma coisa que deves ter sempre em mente: O teu projeto pode não correr bem e não trazer nenhum retorno. O crédito terá sempre de ser pago, independentemente de tudo o resto. O banco emprestou-te dinheiro para comprares um carro e não quer saber o que acontece depois disso e só quer receber o seu dinheiro de volta.
A melhor forma de olhares para isto é fazer sempre as tuas contas e garantir que consegues cumprir com a responsabilidade mesmo que o retorno do investimento seja absolutamente zero.
Pensa no crédito como uma ferramenta para antecipares o uso (ou retorno) de algo em vez de esperares para poupar e depois comprares. Em alguns casos faz sentido e noutras nem por isso.
Deves deixar estas técnicas para quando estiveres completamente confortável com o tema, já que é algo arriscado e é preciso saber o que estás a fazer. Entender se a alavancagem é interessante para o teu investimento é algo que pode ser difícil ou confuso de calcular. Se precisares de alguma ajuda contacta-me.
Comments