O tema das comissões que pagamos sobre os nossos investimentos é algo que está na mente de todos os investidores e que gera inúmeras discussões na escolha da "melhor corretora".
Há algum tempo escrevi este artigo onde demonstrava a diferença que fazia gastar 1€, 5€ ou 10€ nas comissões de compra de um determinado produto e percebeu-se que a redução do resultado final em termos de ganhos era praticamente o dobro da diferença de comissões pagas. Se perdeste este artigo convido-te a reler, bastando aceder ao link acima.
No entanto, em todas essas contas deixei um fator importante de fora: os impostos. No momento em que escrevo este artigo, a taxa de IRS a pagar sobre a a mais valia obtida é de 28%. Esta mais valia é obtida fazendo a conta valor venda - valor compra - comissões. Olhando para esta fórmula, e sabendo que o IRS é uma percentagem, percebes rapidamente que quanto maior esta mais valia, maior a taxa de imposto a pagar e isso vai significar um resultado final líquido possivelmente inferior. Se olhares para a fórmula percebes também que podes deduzir as comissões de compra e venda do teu investimento ao apuramento da mais valia por isso, talvez até possa ser bom ter comissões mais altas para que tenhas uma mais valia mais baixa e, com isso, pagues menos impostos.
Confuso? Talvez. Por esse motivo, vamos a contas e números e assim tudo ficará mais claro.
Vamos utilizar, como exemplo o famoso ETF IWDA (iShares Core MSCI World UCITS ETF USD (Acc)) e assumir que colocaste mensalmente 200€ neste produto entre Maio de 2011 e Abril de 2021 para que assim tenhamos 10 anos completos. Vamos montar 3 cenários:
Cenário A: Pagas 1€ de comissão de compra, logo 199€ são aplicados ao ETF
Cenário B: Pagas 5€ de comissão de compra, logo 195€ são aplicados ao ETF
Cenário C: Pagas 10€ de comissão de compra, logo 190€ são aplicados ao ETF
Chegando a Abril de 2021, terás então um total de:
Cenário A: 693 Unidades de Participação
Cenário B: 679 Unidades de Participação
Cenário C: 662 Unidades de Participação
Como o valor aplicado realmente aplicado ao ETF vai diminuindo nos vários cenários, claro que no final acabaste por ficar com menos unidades de participação, e isto significa que tiveste menos valor realmente aplicado e a valorizar.
No início de Abril de 2021, este ETF tinha a cotação unitária de 65,80€. Multiplicando este valor pelo número de unidades, significa que terias acumulado um total aproximado de:
Cenário A: 45.598€
Cenário B: 44.682€
Cenário C: 43.536€
Os teus 200€ mensais durante 10 anos (120 meses) tiveram os seguintes destinos:
Cenário A: 23.880€ para o ETF e 120€ para Comissões
Cenário B: 23.400€ para o ETF e 600€ para Comissões
Cenário C: 22.800€ para o ETF e 1.200€ para Comissões
Comparando os cenários extremos, percebemos que mais 1.080€ em comissões (1.200€ - 120€) resultaram num perda de valor acumulado de 2.062€, praticamente o dobro. Até aqui nada de novo e isto só vem reforçar o que já tínhamos visto no outro artigo. É aqui que vamos então introduzir a parte dos impostos utilizando aquela fórmula de há pouco de (valor venda - valor compra - comissões) x 28%.
Vamos então por partes e, em primeiro lugar calcular a mais valia bruta:
Cenário A: 45.598€ - 23.880€ - 120€ = 21.598€
Cenário B: 44.682€ - 23.400€ - 600€ = 20.682€
Cenário C: 43.536€ - 22.800€ - 1.200€ = 19.536€
Agora calculamos os impostos a pagar:
Cenário A: 21.598€ x 28% = 6.047€
Cenário B: 20.682€ x 28% = 5.790€
Cenário C: 19.536 x 28% = 5.470€
Vês o que acontece? Quanto maior a comissão menor a mais valia bruta e, consecutivamente, menor os impostos a pagar. E agora juntando isto tudo e apurando a mais valia líquida, aquela que realmente interessa, qual será o resultado final?
Cenário A: 21.598€ - 6.047€ = 15.551€
Cenário B: 20.682€ - 5.790€ = 14.891€
Cenário C: 19.536€ - 5.470€ = 14.066€
Estes números são os que realmente te interessam e mostram que colocando religiosamente 200€ por mês neste ETF durante 10 anos, terás ganhos líquidos (ou seja, depois de impostos) entre os 14.000€ e os 15.500€ conforme as comissões que pagas e tens de reconhecer que é um número muito interessante e que mostra a importância da paciência e da persistência.
Mostra também que os impostos ajudam a reduzir esta diferença de resultados finais. Se bem te lembras, a diferença entre os dois cenários extremos era de 2.062€ e depois de impostos esta diferença reduz para menos de 1.500€. De onde vem a diferença? Do menor valor de impostos que pagaste por teres também uma mais valia menor. Ainda assim, e no que realmente interessa, o valor líquido do teu ganho continua sempre a ser superior com as comissões mais baixas e isto vem reforçar o impacto que este custo pode ter nas tuas rentabilidades.
Qualquer comissão significa, na prática, retirar dinheiro ao teu investimento e não deixes que ninguém te diga algo em contrário.
De qualquer forma, deixo novamente o desafio que deixei no outro artigo mencionado acima. Estando esclarecido o impacto muito significativo que uma diferença de comissões pode gerar no resultado final do teu investimento, convido-te também a pensar em algo que não tem uma resposta certa e só tu saberás o que é melhor para ti.
Se vires o preçário de vários bancos ou corretoras, pensa no envolvimento que queres ter com essa entidade e de que maneira o teres os teus investimentos lá te vai afetar.
Apesar das finanças pessoais parecerem ser apenas números, a partir de uma certa altura, passam a ser muito influenciadas por pessoas. Já reparaste que os melhores negócios parecem aparecer nos braços de quem já tem muito? Achas que foi um computador ou foi uma pessoa que lhes deu a dica? Quantos negócios não chegam a ser "anunciados" ao público por terem sido logo feitos à partida?
Quero ajudar-te a ser um investidor com sofisticação e esses consideram muito mais do que pequenas comissões nas suas análises.
Com esta última parte, quero que penses também nesta parte quando tomas a tua decisão. Será que poupares 1.000€ ou 2.000€ em comissões ao longo de 10 anos, ao optar pelo banco ou corretora A, não te vai prejudicar ou tirar da corrida de uma boa oportunidade no banco ou corretora B, pura e simplesmente porque ninguém sabe quem tu és na instituição B?
Quanto mais sobes na "pirâmide", mais os negócios passam a ser relacionais e menos analíticos. Pensa nisto...
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